Eu tive um aluno americano que morou muito tempo no Chile e veio para Brasília a trabalho. Um dia ele chegou um pouco atrasado na aula e explicou dizendo “Desculpe, eu fui ao shopping para comprar uma roupinha”. Ao escutar a palavra roupinha, pensei logo que esse aluno teria problemas com piadas e brincadeiras de mau gosto por parte dos brasileiros se não aprendesse naquele momento o cuidado que ele deveria ter com palavras no diminutivo em português.
Mas você deve estar se perguntando “Mas qual é o grande problema de usar essa palavra?”. Pois bem, os diminutivos nem sempre indicam diminuição de tamanho. Dependendo de como os diminutivos são colocados no contexto, eles podem ter diversas significações. Essas significações dependem do contexto e só existem em relação a ele.
No caso do meu aluno, um brasileiro logo pensaria que ele (o aluno), um homem adulto, seria gay ou uma pessoa muito delicada ou fresca. Trago aqui alguns dos significados do adjetivo “fresco(a)” do dicionário Aulete que explicam o que quis dizer:
[…]
7. Fig. Pop. Que é dado a agir com melindres (clique para ver o significado), com reservas, com restrições excessivas
8. Pop. Que reage de modo exagerado ao menor contato (físico, visual ou olfativo) com certas coisas (sangue, sujeira etc.)[…]
12. Pej. Que é ou se comporta de maneira efeminada
[…]
15. Pej. Quem é ou se comporta de maneira efeminada
16. Pej. Homossexual masculino
Leia os outros significados: http://www.aulete.com.br/fresco
Primeiro de tudo, lembro que o Brasil ainda é um país muito tradicional e sua visão em relação aos gays e pessoas que possam ter comportamento afeminado ainda não é boa, então evitar o uso de diminutivo que tragam esse sentido pode ser uma boa estratégia para a boa convivência de um estrangeiro com brasileiros preconceituosos. A tirinha abaixo mostra bem esse sentido preconceituoso que o diminutivo em português às vezes carrega:
Explicação:
O primeiro quadro faz uma brincadeira com o fato de que aquele cone em que colocamos sorvete é chamado aqui de casquinha, e não há problema algum em chamá-la assim hehe
O segundo quadro se refere ao inseto que chamamos de Joaninha (e também não há problema em dizer joaninha hehe)
E o terceiro quadro faz referência ao animal fofo e sorridente golfinho:
Vou listar outros usos que considero complicadinhos (muito complicados) e vou contextualizá-los para que fique mais fácil entender a problemática em torno do tema e para que você, professor ou aluno, saiba lidar ou, pelo menos, entenda as situações em que o diminutivo em português é usado.
a) ATENUAR SENTIDO:
Um ótimo exemplo é uma entrevista do programa CQC, transmitido pela rede de televisão Bandeirantes, no dia 12 de maio de 2008. O repórter, Felipe Andreolli, está numa festa, no Rio de Janeiro, de lançamento do livro Cozinha das Estrelas, assinado por Angélica, uma apresentadora brasileira. Assista à entrevista abaixo a partir do 5:01 min.
Transcrição:
Repórter – Angélica a única pergunta que a gente esqueceu senão meu chefe me mata… Angélica… se alguém virasse pra você e falasse que seu livro tá bem feitinho…seria um elogio…uma crítica…o que seria bem feitinho?
Angélica – Ah…bem feitinho ((expressão de desprezo)) eu não ia gostar muito não cara…bem feiTINHO?…é um feio arrumadinho ((surge no vídeo uma animação de Luciano Huck vestido com um smoking, como referência à feio arrumadinho)) né?
Repórter – ((se dirigindo à câmera)) exatamente…concordo plenamente com o que a Angélica disse, é isso aí.
Se quiser ler uma análise completa deste exemplo, sugiro a leitura do trabalho de Juliana Peres Araujo Rizzi, da UNICAMP, intitulado “BONITINHO É UM FEIO ARRUMADO”: QUESTÕES DISCURSIVAS PARAO APRENDIZADO DE PORTUGUÊS POR FALANTES DE ESPANHOL, Disponível em: http://www.alb.com.br/anais17/txtcompletos/sem04/COLE_3117.pdf
O que seria então um livro bem feitinho?
Seria um livro não muito bom, mas bem editado e bem trabalhado, mas que não poderia ser um campeão de vendas, entendem?
O que acontece neste caso é o que podemos chamar de uma polidez (educação) que visa à preservação da face do interlocutor. Luís Fernando Veríssimo em seu texto intitulado Diminutivos fala sobre isso:
O diminutivo é uma maneira ao mesmo tempo afetuosa e precavida de usar a linguagem. Afetuosa porque geralmente o usamos para designar o que é agradável, aquelas coisas tão afáveis que se deixam diminuir sem perder o sentido. E precavida porque também o usamos para desarmar certas palavras que, na sua forma original, são ameaçadoras demais.” (Leia o texto na íntegra)
Então, por mais que os brasileiros entendam que esse uso atenuador do diminutivo é nada mais nada menos que uma forma contrária de dizer algo, ainda assim, é mais educado e seguro falar que o livro é bem feitinho do que dizer que o livro não é bom ou não vai fazer sucesso. É uma forma indireta de dizer uma coisa ruim, causando menos problemas.
A mesma tentativa de atenuar o sentido é ilustrada na Crônica de Luís Fernando Veríssimo (disponível em: http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem04/COLE_3117.pdf):
Vamos a outro exemplo clássico…
“Bonitinho(a), é um(a) feio(a) arrumadinho(a)”.
Fonte: https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20120804220918AAjR925
De novo a questão da preservação da face, uma pessoa bonitinha seria chamada dessa forma, porque aqui no Brasil não podemos e/ou não queremos dizer que é feia diretamente e também não queremos dizer que é bonita.
Esse caso é clássico e acredito que praticamente todos os brasileiros conheçam essa frase, por isso o adjetivo bonitinha(o) já pode ser considerado uma forma de ironia ou depreciação em certos casos. Então, por favor, nunca falem diretamente a uma pessoa que ele/ela é bonitinho(a), ele/ela não vai gostar hehehe